Foi em um dia desses nublado, escuro, enfumaçado, cinza,
marrom molhado, que eu pude então analisar o efeito da carência e do desamor
que a cidade grande faz em mim. Eu me sufoco em meio a esses milhares de prédios
deslumbrantes e a poluição ilusionista, entre buzinas incessantes e derrapadas
repentinas. Me perco ao centro da multidão, mergulhada nesse oceano de
pessoas tão coladas e perfeitas feito moléculas de diamante, aparentemente
fortes quanto o próprio, porém de perto não chegam à força do grafite, que
apesar de ter os mesmos componentes do rei dos brilhantes, praticamente não há
ligação entre uma camada e outra, evidenciando sua fragilidade já há muito gritante.
Não sei se aguento essa loucura por mais tempo. Não sei se é solidão de mais
pra pouca alma, ou se é pouco amor pra ser dividido entre tantos. Não consigo ter
vontade alguma de participar desse sistema individualista. Não tolero essa falsidade
impregnada nos sorrisos das propagandas de funerárias, apesar de achar que eles
realmente ficam satisfeitos com seu lucro do tipo “Pague um caixão. Leve dois!” ou
“Aproveite! Ao ir pra cova, leve um amigo”. Essa idiotice está em todos os
cantos que seus olhos podem alcançar, nas pessoas, nos carros, nas pichações,
nos outdoors, no céu, no vocabulário da massa e, até mesmo, naqueles cabelinhos
fofoletes das crianças! E não venha me dizer que você nunca se influenciou por
essa pseudo-felicidade imposta pela mídia, porque aposto que tem algo tão
supérfluo dentro de sua casa, que ao pegar no objeto logo vem a pergunta “Pra
que isso serve mesmo?”, ou porque com certeza já teve crises existenciais por não
possuir uma autoestima indestrutível feito as das panicats. Eu sinto falta é do
meu recanto, lá no interior dos interiores, tanto o físico quanto o espiritual,
onde minha vida podia seguir o caminho que aparecesse sem se preocupar com o
julgamento universal dos vazios de alma, se guiando apenas pelo vento fresco e
a falta de medo do escuro.
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